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Cinco livros para compreender a miséria humana
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Artigos
Por Marcelo Hailer
A classificação de um produto cultural enquanto “clássico” não se dá à
toa. Uma série de fatores estão envolvidos em torno da obra que fazem
dela atemporal e fundamental para se compreender eventos, trágicos ou
não, que aconteceram durante a história. No momento presente vivemos uma
série de acontecimentos que são alvos de inúmeras análises –
jornalísticas, sociológicas e históricas – tais como os novos conflitos
de guerra, seca no Brasil, grupos políticos da extrema esquerda e
direita que disputam a narrativa político-social e, claro, a
concentração de riqueza e a miséria inerentes ao sistema capitalista.
Por mais que os temas acima citados sejam contemporâneos, eles são
recorrentes na história do mund, seja no Ocidente, na Ásia ou na África.
E todos eles já foram fontes de inspiração para obras primas que nos
trazem algum entendimento das atitudes dos considerados “humanos” e que,
inevitavelmente, levam à tragédia. Para tanto, selecionamos cinco
autores e uma obra respectiva que trata de questões presentes no
cotidiano, seja ele político, jornalístico ou social.
1 – Os Demônios, de Fiódor Dostoiévski
Obra fundamental para quem deseja compreender e acompanhar os
resultados de quando duas figuras ávidas pelo poder travam uma disputa
na qual as pessoas são meramente instrumentos para tal objetivo. De
acordo com especialistas na obra de Dostoiévski, Os Demônios é
uma das poucas, senão a única obra do escritor russo que teve como ponto
de partida uma tragédia real: o assassinato do estudante Ivanov por um
grupo de niilistas liderados Nietcháiev, em 1869.
Todo o ambiente político de então é recriado por Doistoiévski de
maneira magistral e, a partir dos personagens Kirilov, Chigalióv e Piotr
Stiepánovitch, temos a representação do intelectual pessimista e dos
fanatismos políticos perpetrados pelos grupos de Chigalióv e
Stiepánovitch. Temas como fundamentalismo religioso, fanatismo político e
terror se fazem presente nesta obra prima. As análises críticas sobre o
humano e a sua busca pelo poder são de uma atualidade perturbadora.
Para historiadores, ao construir as personagens de Chigalióv e
Stiepánovitch, Dostoiévski foi profético a respeito dos horrores
cometidos em nome de Hitler e Stálin.
2 – Os Miseráveis, de Victor Hugo
Esta obra monumental do escritor francês Victor Hugo é fundamental
não apenas para se compreender a questão da miséria humana, mas também
para quem deseja ter acesso a críticas e percepções do período
revolucionário que resultou na fundação do Estado francês. Inúmeras
críticas tecidas pelo escritor podem ser muito bem adaptadas e trazidas
para o atual contexto político, principalmente quando pensamos na atual
fase da Europa e dos novos movimentos revolucionários.
Os Miseráveis não chamou apenas a atenção, à época, por
conta de seu teor crítico, mas, principalmente, por ter como
protagonistas um presidiário (Jean ValJean), uma prostituta (Fantine) e
uma criança explorada por adultos (Cosette). Tal escolha de personagens
foi considerado um escândalo, pois, à época, os romances apenas
retratavam o cotidiano da realeza e da burguesia.
A partir da narrativa de Jean, Fantine e Cosette, Victor Hugo
mergulha na hipocrisia humana e como está dividida entre “ambiciosos” e
“invejosos” e que tal divisão é parte da cultura e, portanto, presente
desde a educação infantil. Ao mesmo tempo em que o autor desnuda a
“sociedade de bem”, ele dá voz aos sujeitos subalternos que passam ao
largo da Revolução Francesa.
3 – Vidas Secas, de Graciliano Ramos
Considerada a obra mais importante do movimento realista da literatura brasileira, Vidas Secas
nunca esteve tão atual, principalmente quando pensamos que nos dias
atuais o que mudou foi o mapa geográfico da seca retratado na obra. Se
antes eram exôdos rurais, hoje o Brasil vive na iminência de um êxodo
urbano.
Empurrados pela seca, a família de Sinhá Vitória e Fabiano empenha
uma jornada em busca de meios à sobrevivência. Na obra, o que chama
atenção é que, a única personagem humanizada e com sentimentos é a
cachorra Baleia e também é a única que possui um nome. As outras
personagens são referidas pelos cargos que ocupam ou posição genética na
família, tais como filho mais novo.
Vidas Secas é um mergulho profundo na miséria humana no que
diz respeito a explorar o próximo em situações de calamidade, tal como a
seca. O que impressiona é a crítica de Graciliano Ramos: profética e
atual.
4 – O Evangelho segundo Jesus Cristo, de José Saramago
Como será que Jesus Cristo narraria a sua trajetória se lhe fosse
dada esta oportunidade? É o que faz o escritor José Saramago em O Evangelho segundo Jesus Cristo, onde o Messias é o narrador de sua própria história na qual mitos bíblicos e crenças religiosas são desconstruídos.
Em tempos onde fundamentalistas religiosos ocupam cargos de poder no
Brasil e em outros países, resgatar a obra de Saramago é de fundamental
importância, principalmente quando lembramos da memorável cena onde
Cristo estabelece um diálogo com o Diabo e Deus e fica sabendo do
provável acordo entre as duas imagens referências da religião.
Além de toda a crítica à moral religiosa, principalmente a católica, reler O Evangelho… é de suma importância para compreendermos que, entre laicos e fundamentalistas, o acordo político vem antes.
5 – Ventos do Apocalipse, de Paulina Chiziane
Ventos do Apocalipse, ao lado de Neketcha – Uma história de poligamia,
é considerada uma das obras mais controversas de Paulina Chiziane, onde
a escritora moçambicana pesa a caneta para retratar os horrores da
guerra de civil de Moçambique, que aconteceu entre 1977 e 1992 e onde a
escritora atuou como voluntária para ajudar os feridos de guerra.
Na obra, Paulina Chiziane está mais interessada em discutir a relação
e a destruição entre os irmãos moçambicanos do que as questões
políticas. Ativista da revolução que libertou Moçambique da colonização
portuguesa, Chiziane sempre declara que, à época, não se conformava que,
depois de tanto lutar contra os colonizadores, moçambicanos iniciassem
uma guerra contra… moçambicanos.
Com uma narrativa muito particular, Paulina Chiziane retrata os
horrores da guerra civil que, segundo a autora, presenciou durante o
conflito. Não existe bem ou mal, apenas guerra e miséria.
Ilustração de capa: Emile Bayard (A jovem Cosette)
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