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SE TE QUERES MATAR - Fernando Pessoa
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15:55
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Fernando Pessoa,
Poemas
Um poema sobre a realidade, gosto muito!
Se
te queres matar, por que não te queres matar?
Ah,
aproveita! Que eu, que tanto amo a morte e a vida,
Se
ousasse matar-me, também me mataria…
Ah,
se ousares, ousa!
De
que te serve o teu mundo interior que desconheces?
Talvez,
matando-te, o conheças finalmente…
Talvez,
acabando, comeces…
E
não cantes, como eu, a vida por bebedeira,
Não
saúdes como eu a morte em literatura!
Fazes
falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém
faz falta; não fazes falta a ninguém…
Sem
ti correrá tudo sem ti.
Talvez
seja pior para outros existires que matares-te…
Talvez
peses mais durando, que deixando de durar…
A
mágoa dos outros?... Tens remorso adiantado
De
que te chorem?
Descansa:
pouco te chorarão…
O
impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco,
Quando
não são de coisas nossas,
Quando
são do que acontece aos outros, sobretudo a morte,
Porque
é a coisa depois da qual nada acontece aos outros…
Primeiro
é a angústia, a surpresa da vinda
Do
mistério e da falta da sua vida falada…
Depois
o horror do caixão visível e material,
E
os homens de preto que exercem a profissão de estar ali.
Depois
a família a velar, inconsolável e contando anedotas,
Lamentando
a pena de teres morrido,
E
tu mera causa ocasional daquela carpidação,
Tu
verdadeiramente morto, muito mais morto que calculas…
Muito
mais morto aqui que calculas,
Mesmo
que estejas muito mais vivo além…
Depois
a trágica retirada para o jazigo ou a cova,
E
depois o princípio da morte da tua memória.
Há
primeiro em todos um alívio
Da
tragédia um pouco maçadora de teres morrido.
Depois
a conversa aligeira-se quotidianamente,
E
a vida de todos os dias retoma o seu dia…
Depois,
lentamente esqueceste.
Só
és lembrado em duas datas, aniversariamente:
Quando
faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste.
Mais
nada, mais nada, absolutamente mais nada.
Duas
vezes no ano pensam em ti.
Duas
vezes no ano suspiram por ti os que te amaram,
E
uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti.
Encara-te
a frio, e encara a frio o que somos…
Se
queres matar-te, mata-te…
Não
tenhas escrúpulos morais, receios de inteligência!...
Que
escrúpulos ou receios tem a mecânica da vida?
Que
escrúpulos químicos tem o impulso que gera
As
seivas, e a circulação do sangue, e o amor?
Que
memória dos outros tem o ritmo alegre da vida?
Ah,
pobre vaidade de carne e osso chamada homem,
Não
vês que não tens importância absolutamente nenhuma?
És
importante para ti, porque é a ti que te sentes.
És
tudo para ti, porque para ti és o universo,
E
o próprio universo e os outros
Satélites
da tua subjetividade objetiva.
És
importante para ti porque só tu és importante para ti.
E
se és assim, ó mito, não serão os outros assim?
Tens,
como Hamlet, o pavor do desconhecido?
Mas
o que é conhecido? O que é que tu conheces,
Para
que chames desconhecido a qualquer coisa em especial?
Tens,
como Falstaff, o amor gorduroso da vida?
Se
assim a amas materialmente, ama-a ainda mais materialmente:
Torna-te
parte carnal da terra e das coisas!
Dispersa-te
sistema físico-químico
De
células noturnamente conscientes
Pela
noturna consciência da inconsciência dos corpos,
Pelo
grande cobertor não-cobrindo-nada das aparências,
Pela
relva e a erva da proliferação dos seres,
Pela
névoa atómica das coisas,
Pelas
paredes turbilhonantes
Do
vácuo dinâmico do mundo...