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RECOMENDO: Um mito do teatro brasileiro foi desconstruído no livro “Cacilda Becker — Fúria santa”, do jornalista Luís André do Prado, a melhor biografia já escrita sobre um ator de teatro no Brasil.
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Cacilda Becker,
Livros
ARTUR XEXÉO E ROBERTA OLIVEIRA, DO JORNAL O GLOBO
Um mito do teatro brasileiro foi desconstruído no livro “Cacilda Becker — Fúria santa”, do jornalista Luís André do Prado, a melhor biografia já escrita sobre um ator de teatro no Brasil. A noite de autógrafos do lançamento do livro não poderia ser em local mais adequado: em São Paulo, no Teatro Brasileiro de Comédia, um lugar tão identificado com a atriz que sua sigla — TBC — também era conhecida como Teatro Brasileiro de Cacilda.
Outros grandes atores do país já tiveram suas vidas e suas obras detalhadas em livros: Fernanda Montenegro, Dulcina, Marília Pêra, mas todos caíram em armadilhas das quais o livro sobre Cacilda escapa com galhardia. O de Fernanda, escrito pela jornalista Lucia Rito, não consegue esconder aquele estilo chapa-branca de biografias autorizadas. O de Dulcina, assinado pelo ator Sergio Viotti, tem todos os defeitos de uma biografia escrita por um grande amigo. O de Marília, feito em parceria com o dramaturgo Flavio Souza, recusa-se a esmiuçar sua vida pessoal. “Cacilda Becker — Fúria santa” pretende ser apenas uma grande reportagem sobre uma mulher que dominou a cena teatral brasileira durante as décadas de 50 e 60. Faz isso com brilhantismo.
É o primeiro livro do autor, que demorou sete anos para completar o trabalho.
— Quando comecei a pesquisa, imaginava que levaria uns dois anos no máximo — conta Prado. — Há biografias que levam mais tempo do que isso para serem escritas, outras levam menos. Pessoalmente, acho que um trabalho sério não se faz em curto prazo de tempo.
Problemas de voz e falhas na dicção Com depoimentos de quem conviveu com ela (os maridos, o radialista Tito Fleury e o ator Walmor Chagas; o filho, Luiz Carlos Becker Fleury Martins, o Cuca; a irmã Cleyde Yáconis; além de Raul Cortez, Milton Carneiro, Tônia Carrero e mais uma penca de colegas), trechos de cartas que escrevia para a família (há até mesmo pedaços do livro do bebê que fez para Cuca), reproduções de críticas publicadas na época em que ela atuava e mais uma irresistível coleção de fotografias, o livro revela pouco a pouco, até completar suas 593 páginas, um perfil surpreendente de Cacilda Becker (1921-1969).
Para começar, a maior atriz do Brasil era cheia de defeitos. Tinha uma voz pequena, problemas de respiração e falhas na dicção. Tinha também uma compulsão por abraçar papéis que não condiziam com seu tipo físico. Pequenininha, magérrima, dona de pernas finas, mesmo assim teimava em interpretar personagens como a sensual Maggie de “Gata em teto de zinco quente”, de Tennessee Williams, ou, aos 41 anos, encarnar a protagonista de “Cesar e Cleópatra”, de Bernard Shaw, no furor adolescente de seus 15 anos. Mesmo assim, era capaz de conquistar toda a admiração do mais respeitado dos críticos do país Décio de Almeida Prado. “O que Cacilda possui, mais do que qualquer outra atriz, não são qualidades físicas, não é uma voz excepcional, não é o estilo: é a flama interior”, escreveu ele, quando ela estrelou, em 1955, “Maria Stuart”, de Johann Schiller.
O respeito até de Paulo Francis - Até o implicante Paulo Francis rendeu-se ao seu talento quando, em 1958, ela trabalhou em “Longa jornada de um dia dentro da noite”, de Eugene O’Neill. “Há um movimento seu de cabeça (...) em que realiza uma cadência de alegria patológica que vale mais do que meia hora de conversa de O’Neill”, escreveu o então crítico do “Diário Carioca”.
— Estou bem satisfeito com o resultado. Acho que para fazer um trabalho como esse é preciso ser obsessivo — analisa o autor. — Para cada fase da vida dela, fiz um levantamento minucioso. Não é uma biografia chata, que fica levantando a marca do sabonete. Ela levanta histórias para se chegar a uma personalidade inteira.
Triângulo amoroso com Tônia Carrero - Há ótimas histórias. Como a do triângulo amoroso que tinha como seus vértices a estrela Cacilda, o diretor italiano Adolfo Celi e a iniciante Tônia Carrero. Cacilda perdeu a parada, mas, em compensação, proibiu Tônia de pisar no palco do TBC por quatro anos. Há detalhes da briga na Justiça entre Cacilda e o primeiro marido pela guarda do filho. A atriz foi acusada de adúltera no processo. E a descrição do início do romance entre Cacilda e Walmor, quando os dois faziam amor no camarim, entre um ato e outro de “Maria Stuart”.