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Parábola do jardineiro – Rubem Alves
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Parábolas
imagem ilustrativa/Thieres |
O texto a seguir, do escritor e educador mineiro Rubem Alves é
inspirado em uma parábola da tradição cristã, que conta que um senhor
havia dado a seus servos diferentes quantidades de dinheiro para que
administrassem partes de suas propriedades enquanto este viajava. Rubem
Alves transforma este proprietário em um jardineiro e nos conta uma bela
história sobre o medo de arriscar, de conviver com o imprevisível, com o
instável. A quem tem medo de trabalhar com os jardins, que se
transformam todo tempo, será mais agradável trabalhar com pedras, que
permanecem estáticas?
“Havia um homem muito rico, possuidor de
vastas propriedades, que era apaixonado por jardins. Os jardins
ocupavam o seu pensamento o tempo todo e ele repetia sem cessar: “O
mundo inteiro ainda deverá se transformar num jardim. O mundo inteiro
deverá ser belo, perfumado e pacífico. O mundo inteiro ainda se
transformará num lugar de felicidade.” Suas terras eram uma sucessão sem
fim de jardins, jardins japoneses, ingleses, italianos, jardins de
ervas, franceses. Era um trabalhão cuidar dos jardins. Mas valia a pena
pela alegria. O verde das folhas, o colorido das flores, as variadas
simetrias das plantas, os pássaros, as borboletas, os insetos, as
fontes, as frutas, o perfume… Sozinho ele não daria conta. Por isso
anunciou que precisava de jardineiros. Muitos se apresentaram e foram
empregados.
Aconteceu que ele precisou fazer uma
longa viagem. Iria a uma terra longínqua comprar mais terras para
plantar mais jardins. Assim, chamou três dos jardineiros que contratara,
Paulo, Hermógenes e Boanerges e lhes disse: “Vou viajar. Ficarei muito
tempo longe. E quero vocês cuidem de três dos meus jardins. Os outros,
já providenciei quem cuide deles. A você, Paulo, eu entrego o cuidado do
jardim japonês. Cuide bem das cerejeiras, veja que as carpas estejam
sempre bem alimentadas… A você, Hermógenes, entrego o cuidado do jardim
inglês, com toda a sua exuberância de flores pelas rochas… E a você,
Boanerges, entrego o cuidado do jardim mineiro, com romãs, hortelãs e
jasmins.” Ditas essas palavras ele partiu.
O Paulo ficou muito feliz e pôs-se a
cuidar do jardim japonês. O Hermógenes ficou muito feliz e pôs-se a
cuidar do jardim inglês. Mas o Boanerges não era jardineiro. Mentira ao
se oferecer para o emprego. Quando ele viu o jardim mineiro ele disse:
“Cuidar de jardins não é comigo. É trabalho demais…” Trancou então o
jardim com um cadeado e o abandonou. Passados muitos dias voltou o
Senhor dos Jardins, ansioso por ver os seus jardins. O Paulo, feliz,
mostrou-lhe o jardim japonês, que estava muito mais bonito do que quando
o recebera. O Senhor dos Jardins ficou muito feliz e sorriu. Veio o
Hermógenes e lhe mostrou o jardim inglês, exuberante de flores e cores. O
Senhor dos Jardins ficou muito feliz e sorriu. Aí foi a vez do
Boanerges. E não havia formas de enganar. “Ah! Senhor! Preciso
confessar: não sou jardineiro. Os jardins me dão medo. Tenho medo das
plantas, dos espinhos, das taturanas, das aranhas. Minhas mãos são
delicadas. Não são próprias para mexer com a terra, essa coisa suja… Mas
o que me assusta mesmo é o fato das plantas estarem sempre se
transformando: crescem, florescem, perdem as folhas. Cuidar delas é uma
trabalheira sem fim. Se estivesse no meu poder, todas as plantas e
flores seriam de plástico. E a terra seria coberta com cimento, pedras e
cerâmica, para evitar a sujeira. As pedras me dão tranquilidade. Elas
não se mexem. Ficam onde são colocadas. Como é fácil lavá-las com
esguicho e vassoura! Assim, eu não cuidei do jardim. Mas o tranquei com
um cadeado, para que os traficantes e os vagabundos não o invadissem”.
E com estas palavras entregou ao Senhor
dos Jardins a chave do cadeado. O Senhor dos Jardins ficou muito triste e
disse: “Esse jardim está perdido. Deverá ser todo refeito. Paulo,
Hermógenes: vocês vão ficar encarregados de cuidar desse jardim. Quem já
tinha jardins ficará com mais jardins. E, quanto a você, Boanerges,
respeito o seu desejo. Você não gosta de jardins. Vai ficar sem jardins.
Você gosta de pedras. Pois, de hoje em diante, você irá quebrar pedras
na minha pedreira…”
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